Lagarta cantora, essa agora!

A lagarta Rita era elegante e bonita, verdinha como uma alface e com uma pinta amarela na face que lhe dava um ar diferente do resto da sua gente. Diferente é o mínimo que se pode dizer desta lagarta que do seu povo estava farta, por se sentir incompreendida e ao mesmo tempo perdida, querendo o que parecia não poder ter e tendo o que certamente não queria.
Chega de perder leitores que não gostam de grande largura de escritos e entre-se nos pormenores e nos detalhes esquisitos. Cá vai então a primeira confissão: a Rita era uma lagarta encantadora que queria ser cantora. Mas não cantora de fados ou de musicais animados. Pretendia cantar ópera e, para conseguir o seu intento, todos os dias havia cantoria, fizesse sol ou soprasse vento. E era ouvi-la de manhã cedo, ainda o galo se espreguiçava a medo, a treinar a vocalização e a desafinar até mais não.
 — Lá está ela outra vez. Que mal é que a gente lhe fez!? – queixavam-se os animais, incapazes de dormir mais.
Num belo dia pegou nos seus haveres, deixou todos os seus afazeres, e abandonou a terra tão triste como se fosse para a guerra. Sentindo que ninguém ali lhe dava valor, decidiu procurar um sítio melhor. Um sítio onde pudesse cantar e a todos encantar, com a sua voz de soprano acompanhada ao piano. Há que prestar homenagem à sua grande coragem. Só que coragem não é suficiente para deixar o público contente. Conquanto as aulas de canto, a sua voz não chegava para tanto. Mil tentativas fez, indo a muitas audições por mês. Sem conseguir papel algum, o resultado do esforço foi igual a nenhum.
Diga-se, para evitar estranheza, que a lagarta Rita era valente, com toda a certeza. Só que a valentia tinha sido de pouca serventia e o sonho de ser cantora desfazia-se com a demora. Pensava em desistir e em voltar a partir, quando um velho sábio encontrou e a sua vida mudou. O tal ancião receitou-lhe chás medicinais, acompanhados de uns ditos matinais, como se fosse magia o que ele lhe dizia. De magia não tinha nada, só que a lagarta teve a cura esperada.
Nada estava mal na voz da lagarta Rita. Faltava-lhe confiar na sua capacidade e o sábio percebeu isso com facilidade. Com a suposta cura milagreira, a confiança surgiu certeira e era ver a lagarta soprano, acompanhada ao piano, a conquistar corações e a cantar para multidões.

© Elisabete Lucas

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