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Aprender a saudade

Lisboa, 10:30 da manhã. A pressa das gentes que percorre o Chiado ignora a melancolia do violino de Kristina. E menos quer saber da tristeza que inunda a sua alma. O céu está vestido de cinza, colorindo do mesmo tom o coração desta jovem que está na cidade por intervenção do acaso, como se este de quando em vez decidisse agir, para não largar à sorte todos os eventos do mundo. Foi mais ou menos por acção aleatória que Kristina acabou por aterrar na capital de um pequeno país europeu, para aprender uma língua muito distante do sueco, com um sol mais quente e mais presente e com um povo que se diz afável, acolhedor. Com três meses apenas no país, a jovem aprendeu pouco de português e muito de saudade. E sente falta do que lhe é familiar, dos sorrisos que conhece, dos mimos da família e dos amigos, das palavras que a deixam tranquila. Se a língua portuguesa continua a ser para si uma companhia estranha, com a qual convive mal, o fado conquistou-a. Nas manhãs cinzentas, em que se sent

Palavras

As palavras soltam-se da ponta dos dedos. Pousam solenes sobre o papel, transformado em lar. Aí crescem, ganham cores, vestem-se de liberdade. E viajam. E sonham. E desafiam. E mudam, mesmo quando são palavras de silêncio.

Desisto, agora

Abraçada pela luz do sol de corpo estendido na areia desisto, finalmente desisto. Insensata luta, constante busca, redundante cansaço, fadiga imensa. Desisto, agora que o querer já partiu, deixando amargura, cravando tristeza num coração outrora encantado. Cedo à fraqueza, ante a imensidão do mar. Adormeço junto às ondas, para seguir viagem num embalo prolongado. @ Elisabete Lucas

Dias sem pressa

Vai-se instalando de mansinho a luz morna que torna os dias suportáveis e diminui o medo da chegada da noite densa. O ruído que o mundo produz sem cessar é abafado pelas doces e ternas palavras de um poema sem tempo. A felicidade deixa-se desprender, como um fio de cabelo que voa levado por uma leve brisa de Verão.

Sem título, com toda a propriedade

Meses de invernia. Manto de nuvens gordas e dominantes, que sopram segredos duros e frios, relegando os sonhos para o mundo dos impossíveis. Os olhos habituam-se à parca luz dos dias e, com o hábito, parece esvair-se a vontade. Engano puro, de quem principia a esquecer o nome das sensações, com medo de se deparar com vocábulos que quer que habitem longe de si. A vontade permanece agarrada a uma não-desistência de explicação dúbia, presa nos escombros da casa que ruiu ao ser apanhada nas teias de um terramoto que nada deve à meteorologia. Em vão procuram os olhos as estrelas das noites abertas. Em vão espreitam nas frestas de céu à procura de uma porção de sol. Em vão aguardam as andorinhas, que se aquecem noutras paragens. Em vão, porque os olhos já mal enxergam, doridos que estão devido à nova cor do mundo. Meses de invernia, que vazam grossas lágrimas lá do alto, como se nada mais houvesse a oferecer, principiaram por encharcar a terra, para depois entrarem pelas lembranças adentro.

A natureza tal como é

O céu vai despejando rios, como se estes tivessem passado a morar lá em cima. Parco descanso tem o frio, que recupera depressa da canseira dos dias. E o Inverno foi-se transformando em caminho longo, de fim tão incerto quanto apetecido. Mas o passarinho, talvez mais conhecedor da natureza, talvez menos preocupado em tê-la acorrentada aos seus caprichos, recolhe pedaços do mundo, para criar o seu. Em voos sucessivos vai construindo o ninho, com palhas que transporta no bico. Umas deixa cair. Outras leva ao destino. Porventura importa-lhe mais a eficácia do que a eficiência do processo. Pousa no ramo alto, olha em volta à cata de seguidores e só quando se sente seguro mergulha no interior da árvore. Protege-se, para proteger quem virá. Caem gotas grossas lá de cima. As nuvens pesam na cor do dia. Contudo, o passarinho de penas verdes acredita que nada disso lhe tirará a Primavera. © Elisabete Lucas

Luz, afinal!

Aquele Inverno, aquele longo e duro Inverno insistiu em diluir a esperança, encharcando-a de gélidas gotas, soprando-lhe temporais, cobrindo-a de cinza, para lhe conferir aparência defunta. Os rostos do mundo, os das estradas, os dos jardins, os daqui e de acolá, principiaram a encerrar-se, a tornar-se parcos em sorrisos, a temer olhar em frente, com receio de ver um caminho com fim ou o fim do seu caminho. E sem força para procurar um atalho, um qualquer carreiro que impedisse de esbarrar num beco sem saída, num túnel sem fundo e sem brilho, os olhos atinham-se presos ao chão. A esperança, fustigada e cansada, foi-se abrigando como pôde, nas frestas, nas cavidades das calçadas, nos buracos dos caminhos, nas covas das mais insuspeitas casas que os percursos guardam. Olhando para o chão, os olhos daqueles desanimados rostos, descobriram sobejos da esperança que recusou diluir-se, e os lábios puderam sorrir de novo. Afinal o Inverno, aquele longo e duro Inverno, era finito, como finitas