As palavras soltam-se da ponta dos dedos. Pousam solenes
sobre o papel, transformado em lar. Aí crescem, ganham cores, vestem-se de
liberdade. E viajam. E sonham. E desafiam. E mudam, mesmo quando são palavras
de silêncio.
A lagarta Rita era elegante e bonita, verdinha como uma alface e com uma pinta amarela na face que lhe dava um ar diferente do resto da sua gente. Diferente é o mínimo que se pode dizer desta lagarta que do seu povo estava farta, por se sentir incompreendida e ao mesmo tempo perdida, querendo o que parecia não poder ter e tendo o que certamente não queria. Chega de perder leitores que não gostam de grande largura de escritos e entre-se nos pormenores e nos detalhes esquisitos. Cá vai então a primeira confissão: a Rita era uma lagarta encantadora que queria ser cantora. Mas não cantora de fados ou de musicais animados. Pretendia cantar ópera e, para conseguir o seu intento, todos os dias havia cantoria, fizesse sol ou soprasse vento. E era ouvi-la de manhã cedo, ainda o galo se espreguiçava a medo, a treinar a vocalização e a desafinar até mais não. — Lá está ela outra vez. Que mal é que a gente lhe fez!? – queixavam-se os animais, incapazes de dormir mais. Num belo dia...
No dia em que Simão finalmente se foi, de morte tão inesperada quanto ridícula, os ombros de Claudette curvaram-se um pouco mais, contrariando a quase, quase certeza de que se endireitariam no mesmíssimo minuto em que os seus ouvidos escutassem aquele som sumido e arrastado que caracteriza a fala dos mensageiros de certas notícias: — Lamento informá-la, minha senhora, mas o seu marido acaba de falecer! A história não se passou assim, nem para os ombros, nem para o mensageiro. Uma certeza havia: ele estava visivelmente falecido. Claudette dera-se ao trabalho de procurar no dicionário uma palavra que exprimisse o seu desejo da forma menos cruel possível e “falecimento” ficou-lhe na memória, como se representasse pouco mais de um desmaio permanente. Em dias mais agrestes não chegava e o desejo formulava-se em pensamentos mais fortes: — Vê se morres! Ali estava ele mais do que morto, despedaçado, tão ferido quanto um guerreiro em campo de batalha, coisa sem espanto quando um ca...
Lisboa, 10:30 da manhã. A pressa das gentes que percorre o Chiado ignora a melancolia do violino de Kristina. E menos quer saber da tristeza que inunda a sua alma. O céu está vestido de cinza, colorindo do mesmo tom o coração desta jovem que está na cidade por intervenção do acaso, como se este de quando em vez decidisse agir, para não largar à sorte todos os eventos do mundo. Foi mais ou menos por acção aleatória que Kristina acabou por aterrar na capital de um pequeno país europeu, para aprender uma língua muito distante do sueco, com um sol mais quente e mais presente e com um povo que se diz afável, acolhedor. Com três meses apenas no país, a jovem aprendeu pouco de português e muito de saudade. E sente falta do que lhe é familiar, dos sorrisos que conhece, dos mimos da família e dos amigos, das palavras que a deixam tranquila. Se a língua portuguesa continua a ser para si uma companhia estranha, com a qual convive mal, o fado conquistou-a. Nas manhãs cinzentas, em que se sent...
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