As palavras soltam-se da ponta dos dedos. Pousam solenes
sobre o papel, transformado em lar. Aí crescem, ganham cores, vestem-se de
liberdade. E viajam. E sonham. E desafiam. E mudam, mesmo quando são palavras
de silêncio.
Depois de um dia passado no tribunal, Lara chegou a casa, atirou os sapatos para o canto, deixou o vestido caído sobre o soalho, vestiu jeans e um camisolão de lã que lhe dava pelos joelhos, prendeu o cabelo, arregaçou as mangas e enfiou-se na cozinha. Ali sentia que controlava tudo. Ali podia dedicar-se a criar, sem discutir, debater, defender, acusar, sem maquilhagem, saltos altos, cabelo impecável, fato alinhado, sem fingir interesse ou aparentar desinteresse. Ali podia ser ela própria, com a sua vida, infeliz vida, mas sua. Podia chorar, rir, pensar sem se sentir vigiada, deixar descair os ombros, passar as mãos sujas de farinha pela testa. Podia sentir o que lhe apetecia, sem se preocupar com a expressão do rosto, esquecendo por momentos o mundo de aparências em que andava metida. Naquele dia sentia as emoções em completo desalinho. Vira a lei sobrepor-se à justiça, discutira com o chefe por divergências estratégicas na condução de um caso em que estava a trabalhar e, claro, z
Era uma vez uma galinha que contava até três. Vivia num galinheiro todo catita, para os lados da Benedita. Chocou ovos numa Primavera quente e de um deles saiu uma pequena serpente. Alvoroçado, todo o galinheiro se pôs a cacarejar, até a cobra se assustar. "Estranha filha", pensou a mãe-galinha. Decidiu manter-se de bico calado, para que o caldo não ficasse entornado. Dali para a frente manter-se-ia distante, para nenhuma zanga ir avante. — São doidas as galinhas se pensam meter-se com filhas minhas! — murmurou, escondendo a serpente debaixo da asa e levando toda a ninhada para casa. Dos seis ovos chocados, saíram três pintos bem contados. Mais fossem, perder-se-ia nas matemáticas, que galinhas são aves práticas. Três pintainhos e uma serpente catita, qual delas a mais bonita. Os dias passavam, as crias cresciam e o galinheiro fazia por ignorar que estranhas coisas por ali se viam. Ainda assim, quando não havia olhos de mãe por perto, uma bicadita ou outra na serpente era
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