Quando a teoria colapsa
Era uma vez um burro que habitualmente
pregava aos sete ventos (havia sempre correntes de ar para aqueles lados!), porque
existiam por ali poucos ouvidos predispostos a pregações. Certo dia, ia a
passar uma burra com o pêlo todo eriçado (fica a dúvida se levantado
pela ventania, se pelo alcance do olhar!), quando lhe deu (a ele) um
formigueiro epistemológico. Imitou dois relinchos para tirar o pó da garganta
(dando mostras de personalidade, sem querer), e proferiu, levantando o focinho
para o vento quente que soprava mais de cima:
— Quanto melhor não será sentir um
amor de morte do que uma morte de amor?
A burra franziu o sobrolho e sorriu no canto do grosso
lábio. O burro interpretou isso como um interesse invulgar pela sua prelecção,
e, ao preparar-se para a subsequente demonstração teórica de tão evoluído
raciocínio, sofreu um colapso arterial. Parou o coração, parou o cérebro. Ficou
o dito por dizer. Por isso, foi ela quem falou, não sem antes ter imitado dois
relinchos para demonstrar o seu desagrado:
— Olha-me isto! Terá morrido de amor à morte?
Os ventos assobiaram, mas não pronunciaram palavra! Depois
fez-se silêncio, como convém nestes momentos.
© Elisabete Lucas
© Elisabete Lucas
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