A descoberta da arte
Isabella, louca para uns,
excêntrica para outros. Diferente por opção. Desde pequena que se lhe notava
uma tendência para fugir da norma. Desprezava a vulgaridade, o seguidismo, o
pensamento pequeno que se sente grande por imitação. O seu desejo era apenas o
de se conhecer profundamente.
Pertencendo a uma família
rica, que habitava num palacete em Sintra, estava farta de ser o centro de um
mundo que não queria para si. À sua volta a bajulação era uma constante e a
falta de sentido perturbadora. Não lhe interessavam as conversas de
circunstância, os objectos de circunstância, os amigos de circunstância. Tudo
lhe parecia demasiado efémero para poder ser chamado «vida».
Ainda jovem, rodeada de
amigas para quem viver era frequentar festas, namorar e andar na moda,
descobriu que se desconhecia. E ficou apavorada. Vivia num corpo que o espelho
reflectia, onde habitava uma estranha.
Quando disse, com a
frontalidade que lhe era característica, «vou partir à procura de mim», houve
quem desconfiasse de que a sua mente tinha entrado no caminho da insanidade. E
houve quem tivesse ficado com a certeza de que algum manicómio lhe iria servir
de morada quando revelou que viajaria sem levar um cêntimo da família, apenas
com a roupa do corpo e o gato de estimação.
Os pais, conhecendo-lhe a
teima de feitio, não fizeram alarido, com a crença de que o hábito seria
aliado. Habituada a ter tudo, rapidamente regressaria, arrependida.
Passou um mês, findou-se o
ano e a jovem não cumpriu o papel que lhe haviam destinado. Viajou, correu meio
mundo, conheceu gente diferente e, sobretudo, «foi-se aprendendo». Lavou
pratos, limpou escadas, traduziu documentos, serviu de guia, tomou conta de
crianças, pediu esmola. Até que descobriu a paixão pela arte. E passou a pintar
na rua, pois havia no mundo que a rodeava um mundo de inspiração. Vendia quase
tudo o que fazia sem perceber porquê. Até que entendeu que era o amor que
colocava nas suas telas que as tornava belas, assim como o amor que deixara
entrar na sua vida a tornava radiosa. Aos poucos, a Isabella que era
igualava-se à que queria ser.
Vivia sem
luxos, por opção, num pequeno apartamento em Sevilha. E descobrira que podia
ser feliz.
© Elisabete Lucas
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