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A mostrar mensagens de março, 2013

Sem título, com toda a propriedade

Meses de invernia. Manto de nuvens gordas e dominantes, que sopram segredos duros e frios, relegando os sonhos para o mundo dos impossíveis. Os olhos habituam-se à parca luz dos dias e, com o hábito, parece esvair-se a vontade. Engano puro, de quem principia a esquecer o nome das sensações, com medo de se deparar com vocábulos que quer que habitem longe de si. A vontade permanece agarrada a uma não-desistência de explicação dúbia, presa nos escombros da casa que ruiu ao ser apanhada nas teias de um terramoto que nada deve à meteorologia. Em vão procuram os olhos as estrelas das noites abertas. Em vão espreitam nas frestas de céu à procura de uma porção de sol. Em vão aguardam as andorinhas, que se aquecem noutras paragens. Em vão, porque os olhos já mal enxergam, doridos que estão devido à nova cor do mundo. Meses de invernia, que vazam grossas lágrimas lá do alto, como se nada mais houvesse a oferecer, principiaram por encharcar a terra, para depois entrarem pelas lembranças adentro.

A natureza tal como é

O céu vai despejando rios, como se estes tivessem passado a morar lá em cima. Parco descanso tem o frio, que recupera depressa da canseira dos dias. E o Inverno foi-se transformando em caminho longo, de fim tão incerto quanto apetecido. Mas o passarinho, talvez mais conhecedor da natureza, talvez menos preocupado em tê-la acorrentada aos seus caprichos, recolhe pedaços do mundo, para criar o seu. Em voos sucessivos vai construindo o ninho, com palhas que transporta no bico. Umas deixa cair. Outras leva ao destino. Porventura importa-lhe mais a eficácia do que a eficiência do processo. Pousa no ramo alto, olha em volta à cata de seguidores e só quando se sente seguro mergulha no interior da árvore. Protege-se, para proteger quem virá. Caem gotas grossas lá de cima. As nuvens pesam na cor do dia. Contudo, o passarinho de penas verdes acredita que nada disso lhe tirará a Primavera. © Elisabete Lucas

Luz, afinal!

Aquele Inverno, aquele longo e duro Inverno insistiu em diluir a esperança, encharcando-a de gélidas gotas, soprando-lhe temporais, cobrindo-a de cinza, para lhe conferir aparência defunta. Os rostos do mundo, os das estradas, os dos jardins, os daqui e de acolá, principiaram a encerrar-se, a tornar-se parcos em sorrisos, a temer olhar em frente, com receio de ver um caminho com fim ou o fim do seu caminho. E sem força para procurar um atalho, um qualquer carreiro que impedisse de esbarrar num beco sem saída, num túnel sem fundo e sem brilho, os olhos atinham-se presos ao chão. A esperança, fustigada e cansada, foi-se abrigando como pôde, nas frestas, nas cavidades das calçadas, nos buracos dos caminhos, nas covas das mais insuspeitas casas que os percursos guardam. Olhando para o chão, os olhos daqueles desanimados rostos, descobriram sobejos da esperança que recusou diluir-se, e os lábios puderam sorrir de novo. Afinal o Inverno, aquele longo e duro Inverno, era finito, como finitas