Sem título, com toda a propriedade
Meses de invernia. Manto de nuvens gordas e dominantes, que sopram segredos duros e frios, relegando os sonhos para o mundo dos impossíveis. Os olhos habituam-se à parca luz dos dias e, com o hábito, parece esvair-se a vontade. Engano puro, de quem principia a esquecer o nome das sensações, com medo de se deparar com vocábulos que quer que habitem longe de si. A vontade permanece agarrada a uma não-desistência de explicação dúbia, presa nos escombros da casa que ruiu ao ser apanhada nas teias de um terramoto que nada deve à meteorologia. Em vão procuram os olhos as estrelas das noites abertas. Em vão espreitam nas frestas de céu à procura de uma porção de sol. Em vão aguardam as andorinhas, que se aquecem noutras paragens. Em vão, porque os olhos já mal enxergam, doridos que estão devido à nova cor do mundo. Meses de invernia, que vazam grossas lágrimas lá do alto, como se nada mais houvesse a oferecer, principiaram por encharcar a terra, para depois entrarem pelas lembranças adentro.